sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Planeta dos Macacos - Pierre Boulle

"O que me impressiona, à vista de um macaco não é que ele tenha sido nosso passado: é este pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro."  Mario Quintana




 


Em 2500, um professor, um físico e um jornalista deixam a Terra a fim de explorar os desconhecidos arredores do sol vermelho Betelgeuse, na constelação de Órion. Para os tripulantes, todo o trajeto de 300 anos-luz foi percorrido em apenas 2 anos graças aos efeitos da dilatação do tempo, mas na verdade passaram-se três séculos e meio em nosso planeta. Quando finalmente chegam ao seu destino, encontram um irmão-gêmeo da Terra, com semelhanças que vão desde a atmosfera até a estruturação das cidades. Até as formas de vida que o habitam e seus comportamentos são bastante parecidos. Ou melhor, nem tanto assim.

É curioso notar que as mentes que sobreviveram aos terrores de uma guerra criam alguns dos desfechos literários mais interessantes e surpreendentes para a raça humana que conhecemos. Este francês é mais um desses casos. Pierre-François-Marie-Louis Boulle nasceu em Avinhão, França, em 20 de fevereiro de 1912. Engenheiro de formação, serviu como agente secreto durante a 2ª Guerra, até ser aprisionado em 1943. Após o fim da guerra fixa residência em Paris, onde viveria até o último de seus dias. Lá  escreveu toda a sua obra, dentre os quais um dos títulos mais famosos da ficção distópica e pós-apocalíptica: Planeta dos Macacos.

A narrativa é escrita em sua maior parte na primeira pessoa. A escolha de estruturá-la como o diário de bordo de um dos tripulantes da expedição (o jornalista) foi acertada para torná-la fluida, convidativa e sensorial. Boulle consegue transmitir-nos uma experiência completa do planeta Soror por meio de seu protagonista. Através dos relatos das experiências de Ulysse Mérou, é possível entrar em cada quarto, provar cada alimento, sentir cada toque e sofrer cada sobressalto como se estivéssemos em sua pele. Mesmo assim, as descrições são breve precisas na medida certa. São fornecidas apenas as informações e características indispensáveis para que todo o resto do cenário seja completado pela imaginação do leitor.

Os personagens parecem ter sido construídos para conflitar com a teoria da evolução das espécies, a premissa da interferência do meio sobre o comportamento e o questão da racionalidade como grande diferencial da raça humana, entre outras críticas. Num mundo onde as figuras tradicionais de dominante e dominado se invertem, isso abre um leque para todo tipo de comportamentos inesperados por parte dos macacos e, principalmente, por parte dos humanos. Essas possibilidades foram muito bem exploradas, com destaque para o Professor Antelle e Nova; os personagens realmente funcionam aqui.

A história em si é um convite a reflexão sobre nós mesmos, como partes constituintes dessa grande massa que chamamos de "humanidade". Não de onde viemos, mas para onde estamos indo, e que caminhos estamos tomando para tentar chegar a algum lugar. Se somos realmente fruto do meio em que vivemos, ou até que ponto somos influenciados por ele. Se aquilo que criamos para nosso benefício poderia vir a ser a causa de nossa destruição. Quem são os nossos semelhantes de fato, e como tem sido nossas relações com eles. Sem apologias; apenas considerações.

Mesmo sendo um livro de 1963 e com vários adaptações para o cinema, TV e quadrinhos, este é um daqueles livros atemporais. Acho que o foco do autor na intenção de apenas contar uma história e sua despreocupação em fornecer explicações, deixando que a mente do leitor crie respostas para os seus próprios porquês, é o que faz com que ele renda pano para manga até hoje. 

Até agora, está no meu "Top 3: 2014" e é bem provável que também entre para a lista dos favoritos.

Já leu esse? Se não, deve!

Paula de Souza
jaleuesse@gmail.com

P.S: Para os que ficaram interessados no livro, a boa notícia é que vocês não precisarão procurá-lo por 4 anos sem muito sucesso, como aconteceu comigo. A Editora Aleph anunciou o lançamento de uma nova reimpressão do livro com vários extras para o primeiro semestre de 2015. Mas, caso você não aguente esperar até lá, você pode adquirir a edição pocket da Ediouro no site da Loja Singular; foi aqui que eu comprei o meu. Como eles trabalham por impressão sob demanda demora um pouquinho para o livro chegar, mesmo que a forma de envio escolhida seja o e-Sedex (em torno de uns 15 dias), mas você ganha um exemplar novinho e com texto integral.